20 abril 2013

A dimensão sagrada das nossas festas populares

"A festa representa uma das formas mais significativas de (re)encontro social das comunidades, baseada na convivência entre as populações de um determinado lugar, apresentando-se como motivo catalisador de renovado relacionamento entre os habitantes de uma mesma localidade e os daquelas que lhe são vizinhas — incluindo os forasteiros que vêm de longe —, servindo ao estreitamento de laços de confraternização e amizade entre as gentes e dando motivo, não raras vezes, a negócios que se concretizam ou se apalavram e também às notícias de quem não pôde estar presente, trazidas por familiares e amigos que voltam à terra por altura das festas, para nelas tomarem parte e matarem saudades.
"A festa simboliza, assim, uma espécie de sala de convívio de cada terra, em que a grande família comunitária se reúne com os seus pares e as suas visitas e onde os usos, práticas e crenças que lhe estão associados, abarcando devoções religiosas e profanas tão específicas quanto ricas na sua articulação e diversidade, mais se fazem notar, particularmente na devoção aos oragos que se festejam — tendo em conta que atrás de cada festa há sempre um santo padroeiro que se venera e louva.
"Os meses de Julho e Agosto apresentam-se, por excelência, como dois dos meses eleitos de norte a sul do País para dar continuidade, no seu máximo expoente, ao grande ciclo das romarias, uma das manifestações de maior significado e colorido da tradição rural portuguesa (é nas comunidades rurais que este género de festividades mais acentuadamente envolve as populações e as mobiliza na defesa e divulgação das suas tradições), a merecer a nossa atenção pelo significado e importância de que se revestem, quer no que respeita ao calendário religioso, quer etnográfico.

"Mistura do sagrado e do profano — uma constante nos costumes populares —, a manter vivas as nossas raízes, resultam, predominantemente, da celebração em louvor de um orago, ou padroeiro de uma localidade, realizando-se a festa e a romagem à sua capela (por vezes situada em lugar ermo ou de acesso pouco fácil) na data que lhe é consagrada.
"Na generalidade, trata-se de festividades seculares exuberantes de tipos e costumes — algumas a comportar cerimónias reminiscentes de cultos milenários —, às quais as multidões acorrem atraídas por um conjunto de manifestações antecipadamente programadas e anunciadas, tanto de âmbito litúrgico como lúdico: cerimónias religiosas, associadas a missas de festa e imponentes procissões, cortejos, bandas filarmónicas, desfiles de gigantones e cabeçudos, feiras (onde se vende um pouco de tudo, sempre com destaque para o artesanato e toda a espécie de produtos dessa região), música, ranchos folclóricos, fogo-de-artifício e arraiais onde se petisca, canta e dança pela noite fora.

"Quase sempre antecedidas por um peditório, numa espécie de introdução à própria festa e a dar-lhe início — por vezes com grupos de danças acompanhados por gaiteiros, tocadores de bombos ou tamborileiros, seguidos pelo fogueteiro —, continua a verificar-se o costume, mantido em certas localidades, de os festeiros, ou mordomos, oferecerem em troca do donativo frutos ou bolos tradicionais próprios dessa ocasião. Noutros lugares os peditórios tomam a forma de cortejos de oferendas, com as doações a serem leiloadas após o desfile.
"Quanto às categorias, pode dizer-se que se dividem em duas: as pequenas romarias, a chamar a si apenas as populações locais e as gentes dos lugares vizinhos (geralmente com a duração de apenas um dia e a noite da véspera), e as grandes romarias, de maior movimento urbano, a dar origem a verdadeiras peregrinações anuais ao local onde se efectuam — todavia, umas e as outras a comportarem, na sua maioria, rituais específicos que fazem as características e a diferença entre cada uma delas.
(Jorge BARROS e Soledade Martinho COSTA, Festas e tradições populares, vol. Julho e Agosto, Lisboa, Círculo de Leitores, 2003, pp. 15-17)

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